Suraya Cristina Darido Em oposição à vertente mais tecnicista, esportivista e biologista surgem novos movimentos na Educação Física escolar a partir, especialmente, do final da década de 70, inspirados no novo momento histórico social porque passou o país, a Educação de uma maneira geral e a Educação Física especificamente. Atualmente coexistem na área da Educação Física várias concepções, todas elas tendo em comum a tentativa de romper com o modelo mecanicista, fruto de uma etapa recente da Educação Física. São elas; abordagem desenvolvimentista, interacionista-construtivista, crítico-superadora e sistêmica. Estas são, provavelmente, as mais representativas e as que me estão mais próximas, embora outras abordagens transitem pelos meios acadêmicos e profissionais, como por exemplo a psicomotricidade proposta por Le Bouch (1983), a Educação Física fenomenológica proposta por Moreira (1991) e a Educação Física cultural proposta por Daólio (1995). ABORDAGEM DESENVOLVIMENTISTA O modelo desenvolvimentista é explicitado, no Brasil, principalmente nos trabalhos de Tani et alii (1988) e Manoel (1994). A obra mais representativa desta abordagem é "Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista (Tani et alii, 1988). Vários autores são citados no trabalho exposto, mas dois parecem ser fundamentais; D. Gallahue e J. Connoly. Para Tani et alii (1988) a proposta explicitada por eles é uma abordagem dentre várias possíveis, é dirigida especificamente para crianças de quatro a quartoze anos, e busca nos processos de aprendizagem e desenvolvimento uma fundamentação para a Educação Física escolar. Segundo eles é uma tentativa de caracterizar a progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social, na aprendizagem motora e, em função destas características, sugerir aspectos ou elementos relevantes para a estruturação da Educação Física Escolar (p.2). Os autores desta abordagem defendem a idéia de que o movimento é o principal meio e fim da Educação Física, propugnando a especificidade do seu objeto. Sua função não é desenvolver capacidades que auxiliem a alfabetização e o pensamento lógico-matemático, embora tal possa ocorrer como um subproduto da prática motora. É, também, feita a ressalva de que a separação aprendizagem do movimento e aprendizagem através do movimento é apenas possível a nível do conceito e não do fenômeno, porque a melhor capacidade de controlar o movimento facilita a exploração de si mesmo e, ao mesmo tempo, contribui para um melhor controle e aplicação do movimento. Habilidade motora é um dos dos conceitos mais importantes dentro desta abordagem, pois é através dela que os seres humanos se adaptam aos problemas do cotidiano, resolvendo problemas motores. Grande parte do modelo conceitual desta abordagem relaciona-se com o conceito de habilidade motora. Para a abordagem desenvolvimentista, a Educação Física deve proporcionar ao aluno condições para que seu comportamento motor seja desenvolvido através da interação entre o aumento da diversificação e a complexidade dos movimentos. Assim, o principal objetivo da Educação Física é oferecer experiências de movimento adequadas ao seu nível de crescimento e desenvolvimento, a fim de que a aprendizagem das habilidades motoras seja alcançada. A criança deve aprender a se movimentar para adaptar-se as demandas e exigências do cotidiano em termos de desafios motores. Os conteúdos devem obedecer uma sequência fundamentada no modelo de taxionomia do desenvolvimento motor, proposta por Gallahue (1982) e ampliada por Manoel (1994), na seguinte ordem: fase dos movimentos fetais, fase dos movimentos espontâneos e reflexos, fase de movimentos rudimentares, fase dos movimentos fundamentais, fase de combinação de movimentos fundamentais e movimentos culturalmente determinados. Tais conteúdos, devem ser desenvolvidos segundo uma ordem de habilidades, do mais simples que são as habilidades básicas para as mais complexas, as habilidades específicas. As habilidades básicas podem ser classificadas em habilidades locomotoras (por exemplo: andar, correr, saltar, saltitar), e manipulativas (por exemplo: arremessar, chutar, rebater, receber) e de estabilização (por exemplo: girar, flexionar, realizar posições invertidas). Os movimentos específicos são mais influenciados pela cultura e estão relacionados à prática dos esportes, do jogo, da dança e, também, das atividades industriais. ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA-INTERACIONISTA No Brasil e, mais especificamente, no Estado de São Paulo, a proposta construtivista-interacionista vêm ganhando espaço. É apresentada principalmente nas propostas de Educação Física da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) que tem como colaborador o Professor João Batista Freire. Seu livro "Educação de corpo inteiro", publicado em 1989, teve papel determinante na divulgação das idéias construtivistas da Educação Física. Esta abordagem tem se infiltrado no interior da escola e o seu discurso está presente nos diferentes segmentos do contexto escolar. A proposta denominada interacionista-construtivista é apresentada como uma opção metodológica, em oposição às linhas anteriores da Educação Física na escola, especificamente à proposta mecanicista, caracterizada pela busca do desempenho máximo, de padrões de comportamento sem considerar as diferenças individuais, sem levar em conta as experiências vividas pelos alunos, com o objetivo de selecionar os mais habilidosos para competições e esporte de alto nível. Para compreender melhor esta abordagem, baseada principalmente nos trabalhos de Jean Piaget, utilizaremos as próprias palavras da proposta: "No construtivismo, a intenção é construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, numa relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender...Conhecer é sempre uma ação que implica em esquemas de assimilação e acomodação num processo de constante reorganização" (CENP; 1990, p. 9). A principal vantagem desta abordagem é a de que ela possibilita uma maior integração com uma proposta pedagógica ampla e integrada da Educação Física nos primeiros anos de educação formal. Porém, desconsidera a questão da especificidade da Educação Física. Nesta visão o que pode ocorrer com certa frequência, é que conteúdos que não tem relação com a prática do movimento em si poderiam ser aceitos para atingir objetivos que não consideram a especificidade do objeto, que estaria em torno do eixo corpo/movimento. A preocupação com a aprendizagem de conhecimentos, especialmente aqueles lógico matemáticos, prepara um caminho para Educação Física como um meio para atingir o desenvolvimento cognitivo. Neste sentido, o movimento poderia ser um instrumento para facilitar a aprendizagem de conteúdos diretamente ligados ao aspecto cognitivo, como a aprendizagem da leitura, da escrita, e da matemática, etc. A abordagem teve o mérito de levantar a questão da importância da Educação Física na escola considerar o conhecimento que a criança já possue, independentemente da situação formal de ensino, porque a criança, como ninguém, é uma especialista em brinquedo. Deve-se, deste modo, resgatar a cultura de jogos e brincadeiras dos alunos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, aqui incluídas as brincadeiras de rua, os jogos com regras, as rodas cantadas e outras atividades que compõem o universo cultural dos alunos. Na proposta construtivista o jogo enquanto conteúdo/estratégia tem papel privilegiado. É considerado o principal modo de ensinar, é um instrumento pedagógico, um meio de ensino, pois enquanto joga ou brinca a criança aprende. Sendo que este aprender deve ocorrer num ambiente lúdico e prazeiroso para a criança. ABORDAGEM CRÍTICO-SUPERADORA Também em oposição ao modelo mecanicista, discute-se na Educação Física, a abordagem crítica-superadora, como uma das principais tendências. Esta proposta tem representantes nas principais Universidades do país e é, também, a que apresenta um grande número de publicações na área, especialmente em periódicos especializados. A proposta crítico-superadora utiliza o discurso da justiça social como ponto de apoio, e é baseada no marxismo e néo-marxismo, tendo recebido na Educação Física grande influência dos educadores Libaneo e Saviani. O trabalho mais marcante desta abordagem foi publicado em 1992, no livro intitulado "Metodologia do ensino da Educação Física," publicada por um coletivo de autores. Isto porém, não quer dizer que outros trabalhos importantes, como por exemplo, "Educação Física cuida do corpo ...e mente" (Medina, 1983), "Prática da Educação Física no primeiro grau: Modelo de reprodução ou perspectiva de transformação?" (Costa, 1984), "Educação Física e aprendizagem social", (Bracht,1992), não tenham sido publicados antes desta data. Esta pedagogia levanta questões de poder, interesse, esforço e contestação. Acredita que qualquer consideração sobre a pedagogia mais apropriada deve versar, não somente sobre questões de como ensinar, mas também sobre como adquirimos estes conhecimentos, valorizando a questão da contextualização dos fatos e do resgate histórico. Esta percepção é fundamental na medida em que possibilitaria a compreensão, por parte do aluno, de que a produção da humanidade expressa uma determinada fase e que houve mudanças ao longo do tempo. inda de acordo com Coletivo de autores (1992), a pedagogia crítico-superadora tem características específicas. Ela é diagnóstica porque pretende ler os dados da realidade, interpreta-los e emitir um juízo de valor. Este juízo é dependente da perspectiva de quem julga. É judicativa porque julga os elementos da sociedade a partir de uma ética que representa os interesses de uma determinada classe social. Esta pedagogia é também considerada teleológica, pois busca uma direção, dependendo da perspectiva de classe de quem reflete. Esta reflexão pedagógica é compreendida como sendo um projeto político-pedagógico. Político porque encaminha propostas de intervenção em determinada direção e pedagógico no sentido de que possibilita uma reflexão sobre a ação dos homens na realidade, explicitando suas determinações. Até o momento, pouco tem sido feito em termos de implementação dessas idéias na prática da Educação Física, embora haja um esforço neste sentido. Quanto à seleção de conteúdos para as aulas de Educação Física os adeptos da abordagem propõem que se considere a relevância social dos conteúdos, sua contemporaneidade e sua adequação às características sócio-cognitivas dos alunos. Enquanto organização do currículo, ressaltam que é preciso fazer com que o aluno confronte os conhecimentos do senso comum com o conhecimento científico, para ampliar o seu acervo de conhecimento. A Educação Física é entendida como uma disciplina que trata de um tipo de conhecimento denominado de cultura corporal que tem como temas, o jogo, a ginástica, o esporte e a capoeira. ABORDAGEM SISTÊMICA Uma quarta concepção de Educação Física escolar vem sendo ainda elaborada por Betti (1991, 1994). O livro "Educação Física e sociedade", publicado em 1991, levanta as primeiras considerações sobre a Educação Física dentro da abordagem sistêmica. Nos trabalhos realizados pelo autor notam-se as influências de estudos nas área da sociologia, da filosofia e, em menor grau, da psicologia. Betti (1991) considera a teoria de sistemas, defendidas em grande medida por Bertalanffy e Koestler, como um instrumento conceitual e um modo de pensar a questão do currículo de Educação Física. Como na teoria de sistemas proposta por Bertalanffy, o autor trabalha com os conceitos de hierarquia, tendências auto-afirmativas e auto-integrativas. Betti entende a Educação Física como um sistema hierárquico aberto uma vez que os níveis superiores como, por exemplo, as Secretarias de Educação exercem algum controle sobre os sistemas inferiores como, por exemplo, a direção da escola, o corpo docente e outros. É um sistema hierárquico aberto porque sofre influências da sociedade como um todo e ao mesmo tempo a influencia. Para a abordagem sistêmica existe a preocupação de garantir a especificidade, na medida em que considera o binômio corpo/movimento como meio e fim da Educação Física escolar. O alcançe da especificidade se dá através da finalidade da Educação Física na escola que é segundo Betti (1992) de integrar e introduzir o aluno de 1º e 2º graus no mundo da cultura física, formando o cidadão que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física (o jogo, o esporte, a dança, a ginástica...)" (p.285). O autor ressalta que a função da Educação Física na escola não está restrita ao ensino de habilidades motoras, embora sua aprendizagem também deva ser entendida como um dos objetivos, e não o único, a serem perseguidos pela Educação Física Escolar. Para isto não basta aprender habilidades motoras e desenvolver capacidades físicas que, evidentemente, são necessárias em níveis satisfatórios para que o indivíduo possa usufruir dos padrões e valores que a cultura corporal/movimento oferece após séculos de civilização. Os conteúdos oferecidos na escola para integrar e introduzir o aluno na cultura corporal/movimento não diferem das demais abordagens: o jogo, o esporte, a dança e a ginástica. Diferem, todavia, da abordagem crítica, segundo a qual o essencial é o aluno conhecer a cultura corporal. enquanto Betti (1994) prefere utilizar o termo; vivências do esporte, jogo, dança, ginástica. Quando utiliza o termo vivência, o autor pretende enfatizar a importância da experimentação dos movimentos em situação prática, além do conhecimento cognitivo e da experiência afetiva advindos da prática de movimentos. Alguns princípios derivados desta abordagem foram apresentados por Betti (1991). O mais importante é denominado princípio da não exclusão, segundo o qual nenhuma atividade pode excluir qualquer aluno das aulas da Educação Física. Este princípio tenta garantir o acesso de todos os alunos às atividades da Educação Física. O princípio da diversidade propõe que a Educação Física na escola proporcione atividades diferenciadas e não privilegie apenas um tipo, por exemplo, futebol ou basquete. Além disso, pretende que a Educação Física escolar não trabalhe apenas com um tipo de conteúdo esportivo. Garantir a diversidade como um princípio é proporcionar vivências nas atividades esportivas, atividades rítmicas e expressivas vinculadas à dança e atividades da ginástica. Considerações finais Na verdade, estas abordagens apresentam importantes avanços em relação a perspectiva tradicional da Educação Física escolar. Da abordagem desenvolvimentista considero importante a sua preocupação em dois níveis; na questão da garantia da especificidade da área e na valorização do conhecimento sobre as necessidades e expectativas dos alunos nas diferentes faixas etárias. Aliás, também a abordagem crítico-superadora reconhece a necessidade dos professores identificarem as características dos alunos para que haja adequação dos conteúdos (Coletivo de autores, 1992). Porém, é preciso reconhecer que a abordagem desenvolvimentista relevou os aspectos sócio-culturais que permeiam o desenvolvimento das habilidades motoras. Quanto à abordagem construtivista é inegável o seu valor nas tranformações que temos observado na Educação Física escolar embora, principalmente no início do seu aparecimento, tenha gerado algumas dúvidas, especialmente quanto ao papel da disciplina na escola - apêndice de outras áreas. A abordagem crítico-superadora tem nos alertado sobre a importância da Educação e da Educação Física contribuirem para que as mudanças sociais possam ocorrer, diminuindo as desigualdades e injustiças sociais. Um objetivo, aliás, que os educadores devem partilhar. No entanto, em estudo recente (Darido, 1997), observando a prática pedagógica dos professores de Educação Física que cursam programas de pós-graduação, e que portanto conhecem as abordagens, percebemos que eles se ressentem de elementos para trabalharem com a abordagem crítica superadora na prática concreta. A abordagem sistêmica, por sua vez, parece ainda não ter sido amplamente discutida e divulgada quer pelos meios acadêmicos, quer pelos meios profissionais. Embora ainda esteja em fase inicial de elaboração a proposta tem o mérito de procurar esclarecer os valores e finalidades da Educação Física na escola e propor como desdobramentos, princípios que devam nortear o trabalho do professor de Educação Física; a não exclusão e a diversidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTI, M. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. BETTI, M. Ensino de primeiro e segundo graus: Educação Física para quê? Revista do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, v.13, n.2, p.282-287, 1992. BETTI, M. Valores e finalidades na Educação Física escolar: uma concepção sistëmica. Revista Brasileira de Ciëncias do Esporte, v.16, n.1, p.14-21, 1994. BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. COSTA, V. L. F. Prática da Educação Física no primeiro grau. São Paulo: Ibrasa, 1984. DAOLIO, J. Da Cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. DARIDO,S.C. Ação pedagógica do professor de Educação Física. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, 1997. FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro. Campinas: Scipione, 1989. Le BOUCH, J. A Educação pelo movimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. MANOEL, E. J. Desenvolvimento motor: implicações para a Educação Física escolar I. Revista Paulista de Educação Física, n.8, v.1, 82-97, 1994. MEDINA, J. P. S. A Educação Física cuida do corpo ...e mente. Campinas: Papirus, 1983. MOREIRA, W. W. Educação Física escolar: uma abordagem fenomenológica. Campinas: Unicamp, 1991. SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta curricular para o ensino de Educação Física no 1º grau. São Paulo: CENP, 1990. TANI, G. Perspectivas para a Educação Física escolar. Revista Paulista de Educação Física, v.5, n.1/2, p.61-69, 1991. TANI et alli. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU / EDUSP, 1988. ----------
4 Professora Dra. junto ao Departamento de Educação Física - UNESP - Rio Claro |
quarta-feira, 25 de maio de 2011
As principais tendências pedagógicas da Educação Física escolar a partir da década de 80
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